Por que covid-19 causa dores no corpo?

Uma das primeiras pessoas infectadas com coronavírus no Brasil, Maria Espedita Pereira afirma ter sido internada no hospital com "47 anos e saído com 74". Ela ouviu que a recuperação levaria um tempo, mas "esse tempo já dura um ano".

Ela até hoje enfrenta sequelas como perda acentuada de peso e cabelo, pressão alta, falta de ar, abalo psicológico e dor, muita dor nas articulações das mãos, nas panturrilhas e nos calcanhares.

Hoje, sai pouco de casa e transita entre dores e inchaços, estes causados por corticoides que "pelo menos" aliviam bastante o sofrimento. "Não aguento mais tomar tantos remédios."

Estudos apontam que relatos de dores persistentes nas articulações e nos músculos são comuns em pacientes com a chamada covid longa, uma condição que afeta pacientes infectados com coronavírus por semanas ou meses.

Levantamento de pesquisadores de universidades dos Estados Unidos, do México e da Suécia, com base em estudos com 48 mil pacientes, apontam que 1 em cada 5 pacientes com covid longa sofre com dores nas articulações, e 1 em cada 10, com dores musculares.

Um outro estudo, feito por pesquisadores de Cingapura com 294 pacientes internados com covid-19, aponta que manifestações musculoesqueléticas generalizadas acometem 50% dos hospitalizados, a exemplo de mialgia (37,5%), artralgia (5,7%) e dor nas costas (6,8%).

Mas o que é sentir dor? Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor, ela é "uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial". Experiência pessoal definida pelo próprio paciente, ela prejudica o dia a dia das pessoas e pode afetar a vida social, causar ansiedade e diminuir a autoestima e a confiança.

"As pessoas relatam que os problemas mais comuns após terem covid estão nos ombros e nas costas, mas problemas nas articulações e nos músculos podem ocorrer em qualquer parte do corpo. Algumas pessoas têm dores generalizadas que podem ir e vir durante algum tempo, à medida que se recuperam. Algumas também têm sensações estranhas ou diferentes, como dormência, pontadas ou fraqueza nos braços ou pernas", exemplifica o sistema de saúde pública do Reino Unido em um guia sobre o tema.

Tampouco há uma causa única para todas essas condições. Em geral, doenças infecciosas, sobretudo virais como a chikungunya e a covid-19, podem causar dores durante os processos inflamatórios, mas há outros fatores associados ao coronavírus.

André Mansano, médico intervencionista da dor no hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, cita quatro deles: o distanciamento social aumentou a incidência de dor crônica não só pelo aumento do estresse, mas também por elementos como sobrecarga no ambiente doméstico, sedentarismo e diminuição do acesso à saúde; os efeitos diretos da covid-19 em si, causando neuropatias e mialgias; os efeitos secundários do tratamento da doença, como, por exemplo, um relaxante muscular administrado na UTI que pode paralisar a musculatura por semanas e levar a uma atrofia muscular; a resposta do sistema imunológico à doença, que pode afetar o próprio corpo e às vezes ser mais danosa que o vírus.

Essas dores podem ocorrer em fases diferentes da doença e por diversos motivos e, "por isso, é tão necessário entender o contexto individual de cada paciente para entender a causa daquela dor", explica João Alho, médico reumatologista e professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa).

Por exemplo, "quem sobreviveu a casos mais graves, inclusive com necessidade de ir para a UTI, com certeza perdeu muito peso, sobretudo massa muscular. Essa é uma situação de sarcopenia pós-UTI, (que) causa dores até (haver) a completa reabilitação, que pode durar meses. Mas pacientes com doenças leves também podem perder massa muscular e causar mialgia ou dores articulares."

Pesquisadores estudam também como o vírus poderia causar diretamente essa dor, e uma possibilidade passa pela agora famosa proteína ACE2 (ou ECA2, em português), que funciona como uma espécie de "fechadura" de células humanas abertas pela "chave" do coronavírus durante a invasão.

Um grupo de pesquisadores chineses analisou a presença do virus na medula espinhal, estrutura de tecidos nervosos dentro da coluna vertebral que tem a função de transmitir impulsos nervosos do cérebro para todo o corpo, como um elemento importante de indução da sensação de dor dos pacientes.

Segundo eles, isso ocorreria por meio do ataque às células nervosas com ACE2, que levaria, por consequência, a uma queda no nível de hormônios ligados à pressão sanguínea (angiotensinas) e, assim, à dor.

Mas essa é só uma entre diversas hipóteses em estudo por especialistas desde o início da pandemia de coronavírus, que matou mais de 300 mil pessoas no Brasil e deixou outras milhares com sequelas persistentes.



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